Discurso: José Feldman - Presidente/ALB/Paraná

Exmo. Senhor Presidente da Academia de Letras do Brasil


Acadêmicos e Acadêmicas

Autoridades presentes

Caros senhores e senhoras
Foi uma longa caminhada que me trouxe à Academia de Letras do Brasil, e não estou falando apenas dos mil quilômetros que separam a cidade de Ubiratã, onde moro, de Piracicaba. Falo também do caminho que percorrem todos os escritores, o de descoberta e de aperfeiçoamento que, às vezes, leva a honrarias como a de pertencer a esta Casa. E, quando isto acontece, vive-se um momento de imprevisível emoção, um momento em que se percebe uma imensa paisagem literária, da qual, mesmo na condição de detalhe, somos integrantes. Então vemos que aqui somos rodeados por inúmeros escritores, alguns lendários em nossa vida e em nossa formação.
Ao tomar posse de uma Cadeira nesta Casa, quero afirmar ser apenas um sonhador e divulgador de homens e mulheres que compõem o panteão da literatura. Minha cultura literária modesta; devo confessar que foi adquirida através da leitura de livros de ficção, de poesia, de teoria literária e teatro.
Com orgulho ocupo esta Cadeira, mesmo reconhecendo a existência de outros que poderiam ser tão ou mais dignos do que eu. Contudo, espero, com meus escassos recursos, poder contribuir para uma vida sempre atuante desta entidade venerável, presença permanente na vida cultural de nosso Brasil.
Ao aceitar honrarias como a ocupação de uma Cadeira em uma Academia de tal porte, necessita-se ter consciência desta responsabilidade que se assume, que está sendo adicionada àquela que já faz parte dos afazeres. Segundo Nietzsche, quando assumimos tal encargo, precisamos construir nossos monumentos onde nos alicerces profundos nós ficamos.
Deve-se trilhar todas as estradas que existem no mundo, deixando um rastro de conhecimentos e um pouco de si em outras vidas.
Brasileiros valentes tiveram feitos notáveis, cada qual á seu modo, com dignidade e competência, mesmo em meio à injustiça social, à insegurança e à descrença. E ser escritor num país com dificuldades econômicas, culturais e sociais não é uma tarefa fácil para estes heróis nacionais, que muitas vezes não são reconhecidos. Mas não devemos ser descrentes, pois sem esperança não há vida. Ernest Hemingway em seu livro - O Velho e o Mar - coloca que, “o homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”. Mas contribuímos pelo poder das palavras para o conhecimento de nós mesmos e para a descoberta de nossa identidade. Um país que não possui livros, músicas, danças, nem artes, nem manifestações culturais, não é um país, é apenas um núcleo de pessoas insatisfeitas. Como já dizia Monteiro Lobato: “Uma nação se faz com homens e livros”.
Aprendemos sempre e descobrimos sempre. Uma das coisas que aprendemos é homenagear os nomes que fizeram a literatura brasileira.
Para mim, está claro que aqui estou representando a literatura paranaense. Sou apenas um dos numerosos nomes que incorporam a ampla relação daqueles que fazem do Estado do Paraná o cenário e a motivação para sua literatura por outro lado, procuro fazer com que esta intensa mobilização reflita a importância da Academia de Letras do Brasil no cenário cultural brasileiro. Fernando Pessoa dizia “Para ser grande, sê inteiro; nada teu exagera ou exclui; sê todo em cada coisa; põe quanto és no mínimo que fazes; assim, em cada lago, a lua toda brilha porque alta vive.”
Deste modo, assumo, pois o compromisso de perpetuar o estandarte da literatura, participando do desenvolvimento e do engrandecimento do Brasil, pois tanto quanto dependemos dele, ele depende de nós. Nunca esquecendo e conservando aceso o lume daqueles que nos precederam na literatura ou nas demais artes, e deram suas vidas por este imenso país que é o Brasil.
Terminando, agradeço pela honra em pertencer a esta Casa e peço vossa permissão para algumas homenagens pessoais. Para meu pai, Moisés Feldman, que não vive entre nós para ver este momento, mas que mesmo com pouca educação formal, me legou seu amor aos livros e ao estudo através de sua formação moral e intelectual sem a qual eu não estaria hoje aqui. Para minha mãe, Mina, que felizmente vive com orgulho para ver este momento na existência do filho que fizeram e criaram juntos. Se ele estivesse entre nós, não haveria pais mais orgulhosos. Para minha mulher e companheira, a escritora Alba Krishna, sem cujo amor, dedicação, paciência e mesmo abnegação eu não seria capaz de viver. Para os meus professores em geral, que souberam, em meu tempo, transformar as instituições de ensino em verdadeiros centros de conhecimentos. E, deixo para o fim, por ser a mais importante, a homenagem ao povo de minhas duas terras. Morando no Paraná, estado que me acolheu em seu seio com ternura, estendendo seus braços para mim, não posso deixar de ser meio paranaense; tendo nascido em São Paulo, sou paulista. Agradeço abraço e peço a bênção dos povos de São Paulo e do Paraná.
Discurso de Defesa do Patrono da Cadeira n.1: Paulo Leminski
Ao ocupar esta Cadeira, determinei defender como patrono, o poeta curitibano Paulo Leminski. Fornecerei uma pincelada fugaz sobre sua biografia para, subsequentemente explanar a que se deve a sua importância nesta ocasião.
Paulo Leminski nasceu em 1944, em Curitiba e faleceu em 1989. Era filho de pai polonês com mãe de ascendência africana. Desde a juventude sempre preferiu poemas breves, muitas vezes haicais. Foi professor e como escritor publicou livros de poesia, de prosa, biografias, ensaios, traduções de James Joyce, Samuel Becket, etc., literatura infanto-juvenil, produções musicais, fez gravações em parceria com músicos como Caetano Veloso e Itamar Assunção.
Sua poesia é consequência de um período que predominava a censura, mas ele não se vinculou a nenhuma corrente, apesar de conservar relações com elas. Sua poesia, como expõe Roland Barthes, pode ser considerada como resultado de experiências vividas que se traduzem em lirismo através da linguagem metafórica, do uso de recursos como ritmo, sonoridade, repetição de palavras, situações, descrições, seqüências. Leminski, como Borges, recriou muitas fábulas. Reescreveu o mundo que poderia ter sido e não foi. Reinventou o texto para contextualizar, contestar, protestar.
A poesia de Leminski não se evidencia unicamente pelo cunho empírico da escrita, mas também pelo dever do poeta de transmitir suas experiências cotidianas, escrever e reescrever a vida. Reescreveu as lendas e memórias dos emigrantes poloneses do sul do Brasil. Incorporou o sofrimento da voz no canto dos negros da África.
Ousou e experimentou muito na escrita, trabalhando artesanalmente com as palavras tocando-as nas texturas e harmonias, exequiveis e inexequiveis.
Leminski era um mago das palavras, construindo-as, desconstruindo-as, criando uma linguagem poética composta de características que permitem que novos elementos possam ser adicionados, tornando a poesia um horizonte infindável de composições. Ele manipulava de tal modo que as palavras se desdobrassem de forma que lhe davam novos significados, criando uma teia que se prendia dentro de outra teia, e assim por diante, num processo ininterrupto de criação.
Sua obra influenciou grande parte dos movimentos poéticos dos últimos 20 anos. Leminski manifestava o questionamento às mistificações através do bom humor. O bom humor contra o preconceito e a injustiça, foi o instrumento com que desarmava os espíritos.
Por esse motivo, considero Leminsky uma escolha justa e seu patronato uma homenagem válida para a participação nesta egrégia instituição.
E, assim, encerro com sua poesia:

O Assassino era o Escriba



Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito

inexistente.

Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular

com um paradigma da 1ª conjugação.

Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,

ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético

de nos torturar com um aposto.

Casou com uma regência.

Foi infeliz.

Era possessivo como um pronome.

E ela era bitransitiva.

Tentou ir para os EUA.

Não deu.

Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.

A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,

conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.

Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.


José Feldman

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