Discurso: Homenagem ao meu pai

(BRANCA TIROLLO)


Tributo Ao Meu Pai - 1927 + 2007

O Bairro era praticamente deserto na época e meu pai plantava árvores frutíferas frente aos terrenos baldios. A beira do Rio Piracicaba, ele cuidava das árvores e plantava pés de maracujá entre uma e outra. Ali, ele viveu por mais de vinte e dois anos. As famílias iam chegando, novas casas foram construídas e o bairro cresceu rapidamente. Em Setembro de 2007, meu Pai faleceu.

Muitas mangueiras foram cortadas pelos proprietários dos lotes, mas ainda há três frente à casa onde moramos. Na época em que as folhas caem, e em outra quando as flores brotam me faz lembrar a vida na fazenda. Quando chega a primavera, fico esperando os frutos crescerem e num breve tempo, observando às crianças a procura pelas frutas maduras. Fico imaginando o problema da fome no Mundo. É inevitável o sentimento da revolta. E eu, quero lutar. Quero revolucionar as questões sociais.

Meus pais não me educaram para que eu me tornasse uma mulher revolucionária, artista de teatro e muito menos, escritora. Jamais admitiram e apoiaram a minha carreira artística. Nem sequer abriram um livro meu para ler.

Eu aprendi os afazeres da casa. A costurar, lavrar a terra e plantar, e a respeitar a Natureza, assim como eles desejavam. Também fui rebelde e cometi muitos erros. Todavia, a história tinha que mudar, para hoje, aquele homem que ignorava o mundo que eu havia escolhido, fosse homenageado por mérito.

Meu pai ensinou-me a caminhar sozinha. Me fez caminhar sobre trilhas escuras para que eu aprendesse a viver. Certo que foi pela dor, mas ensinou.

Quando eu escrevi a primeira poesia em 1966, lembro-me que eu tinha apenas uma sandália quase sem solas e caminhava mais de quatro quilômetros para poder chegar à escola. Ida e volta eram oito. Hoje, tenho muito mais que uma sandália sem sola, mas priorizo aquela mais desgastada, porque a preservando, poderei possuir uma melhor.

Por mais que meu pai tenha sido rude para comigo, ele jamais deixou seus quatro filhos fora da escola, sem um teto para cobrir as nossas cabeças e sem alimentos nas horas das refeições. Como chefe de família, sempre foi um homem honrado sobre todas as coisas.

Hoje, eu não sou apenas uma escritora, roteirista de peças teatrais, uma pretensa compositora. Aquém todas essas vitórias, eu sou uma simples mulher e quando o desejo de vencer aflora; volto andar a beira rio, com os pés calçados em minhas havaianas.

Caminhando, memorizo meu Pai, já com a memória fraca e suas divagações. Minha irmã caçula, que faleceu aos vinte e nove anos de idade, vítima de um câncer. A minha mãe, que embora ainda viva, é vítima da hidrocefalia e sofre sérios problemas cardíacos, sem contar com a dor que sente pela perda de seu companheiro e sua filha mais nova.

Lembro-me também das favelas e das ruas desertas em muitas cidades, que por tantas noites, eu tive a coragem para ir até lá e observar de frente, o fruto da indiferença, da injustiça social.

Quando madrugada, crianças sem esperança alguma observam os telhados de vidro que dominam o mundo e assustadas, temem além da fome e o frio, aqueles que tentam acabar com o fruto de suas próprias arrogâncias.

Quando caminho a beira do Rio Piracicaba, me sinto só e abandonada, mas não perco a esperança de que num breve tempo, o homem possa se redimir e vir a ser, um Ser realmente Humano.

Se hoje estou preparada para ajudar a sociedade, mesmo continuando atravessar por trilhas tenebrosas a conviver com meus fantasmas, mesmo sem conhecimento adequado, brindo este momento ao meu saudoso Pai, que jamais permitira que seus filhos perambulassem pelas ruas.

A minha mãe que se encontra enferma - por isso não pode estar presente - declaro o mesmo amor e a mesma consideração.

Estar aqui hoje, e representando uma Instituição Internacional de Cultura, é

resultado de uma constante luta rumo à conquista de um sonho. Mas se hoje este sonho tornou-se realidade, o Mérito é do meu Pai, que mesmo inconscientemente, construiu este vínculo, entre a minha pessoa e a ALB, através dos longos anos em que Ele viveu praticando apenas o que é justo.

Este é um tributo ao meu Pai Elizeu Tirollo, e entrego em mãos da única pessoa, que mesmo distante, sempre esteve ao meu lado, por não serem os quilômetros a separar as pessoas; e sim, a capacidade que temos de destruir vidas com palavras, que fere mais que a espada e mata mais do que os disparos de um canhão.

Grata pela atenção!



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